Completamos no dia 13 de maio 123 anos da assinatura da Lei Áurea, lei que extinguiu a legalidade da escravidão no Brasil, dando fim aos longos 388 anos mais lúgubre da história nacional.
A assinatura da lei foi precedida por um grande movimento social envolvendo escravos e ex-escravos, as camadas populares e médias da população, intelectuais, liberais e a pequena burguesia que emergia, foi um marco pioneiro na luta por direitos humanos, o movimento abolicionista foi o mais pujante, importante e vitorioso movimento de massa que uniu o povo brasileiro.
Não há dúvida que o fim da escravidão no Brasil foi um fato positivo, esse era o objetivo do movimento abolicionista, avançamos institucionalmente ao livrar o país do anacr�?nico regime.
Com a abolição seguida da República, viramos o primeiro ciclo civilizacional na construção da nação brasileira, fomos o último país de toda a América a romper com esse criminoso regime.
Ocorre que a classe dominante brasileira nunca foi inepta na defesa de seus interesses, ao contrário, sempre projetou seus objetivos com décadas de antecedência.
Conhecia todo processo político que culminou na abolição da escravidão de todos os países da América. Sabia a resposta para os principais impasses que as elites escravocratas enfrentaram antes e após abolirem os escravos.
Nas experiências abolicionistas, fatos ocorridos em duas acachapantes derrotas dos escravocratas preocupavam: a protagonizada pelos escravos em 1804 (Haiti) e o profundo trauma provocado pela guerra civil e divisão do país entre 1861 a 1865 (Estados Unidos).
Preocupava, também, que a transição do escravismo ao trabalho livre custasse a acomodação das forças políticas divergentes na direção de um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil, até então estava em vigor um projeto engendrado pela oligarquia agrária.
A oligarquia brasileira estava disposta a lançar mão de todas as medidas necessárias para se manter hegemonicamente no poder. Por isso, disputaram a condução do processo abolicionista, não projetava uma abolição completa que transformasse escravos em cidadãos.
O objetivo era garantir a gradualidade na transição para o impacto da mudança não afetar a produção e os lucros; exigirem indenização pecuniária pela perda de escravos, considerados propriedade privada; manter a posse da terra, sob inspiração da experiência australiana, instituíram a Lei da Terra em 1850 tornando-a mercadoria, escolha infeliz, pois consolidou o latifúndio no Brasil.
Assegurar uma maioria branca na demografia brasileira após a transição da mão de obra escrava para livre. Para isso atraíram o trabalhador europeu e incentivaram a miscigenação, pois viam os negros como potenciais inimigos do Brasil e responsáveis exclusivos pelo seu perpétuo subdesenvolvimento.
Segundo os censos de 1872 e de 1940 a população brasileira triplica e os brancos passam de 38% para 63% da população em apenas 50 anos. Tudo isso sustentado por teorias e ideologias em voga nas academias, sempre contando com a sustentação do braço forte do Estado.
A condução da transição do trabalho escravo para o livre sob a condução de uma elite colonizada, impatriótica e gananciosa só poderia engendrar uma nação injusta, desigual, dividida e violenta.
Felizmente a oligarquia brasileira não concluiu integralmente seu projeto, apesar do arrefecimento da luta abolicionista após a assinatura da lei, o povo sempre esteve no caminho dos poderosos.
Projetaram um país demograficamente branco e semi analfabeto, conduzido com punhos fortes por uma minúscula elite, com vocação exclusivamente agrícola, dependente dos impérios.
Para os grandes cafeicultores e os outros setores da elite nacional de finais do século 19, a assinatura da Lei Áurea deveria ser um evento burocrático e não um processo político de mudança de rumo da nação.
Coube, e ainda está na ordem do dia, aos movimentos sociais e as forças partidárias progressistas e democráticas a tarefa da mudança para completar a abolição ainda inconclusa.
Somente concluiremos a abolição se formos capazes de impor um novo projeto de desenvolvimento capaz de mudar a nação, subverter o projeto da classe dominante, superar as desigualdades e tornar o Brasil justo para todos.
É nessa tarefa que o movimento negro deve empreender todo seu esforço, compreendendo a complementaridade da luta de combate ao racismo para construção de um país socialmente próspero.
As vitórias pequenas e pontuais conquistadas na luta popular não nos desviam de um rumo revolucionário, ao contrário, são importantes, pois mantém o povo unido na luta.
De modo que o movimento negro tem que continuar sua luta por inclusão da população negra, ao mesmo tempo em que se soma aos trabalhadores, às forças revolucionárias e conseq�?entes que disputam o poder político no Brasil.
Na atualidade completar a abolição exige que construamos um país soberano, capaz de desenhar seu projeto, perseguir com altivez seu destino, defender seu território, defender a população, oferecer justiça e dar melhor qualidade de vida ao povo.
Exigirá mais democracia, mais participação do povo na escolha dos rumos do país, acesso a saúde, educação, emprego, moradia digna. Por isso, a pauta das reformas populares – reforma política, reforma agrária, reforma tributária, reforma educacional - é fundamental, pois poderão garantir mais direitos para aos trabalhadores.
Temos que garantir mais progresso social, combater a tensão no seio do povo, lutando para superação do racismo, do machismo, da homofobia e outras formas de opressão. Todo esse esforço deve ser irmanado com nossos vizinhos no continente.
A abolição do século 21 exigirá a mesma unidade nacional que foi às ruas e imp�?s a assinatura da Lei Áurea em finais do século 19. O mesmo ímpeto de Zumbi e de todos os heróis e heroínas an�?nimas que bravamente entregaram suas vidas contra um regime criminoso que lhes negava a humanidade. Essa é a tarefa histórica dada ao povo brasileiro, negros e brancos, homens e mulheres.
Edson França – Coordenador Geral da UNEGRO e membro do Comitê Central do PCdoB
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