Em julho, soma-se à mesa de projetos para a aprovação da Câmara dos Deputados federais mais um texto de cotas. A proposta chega em caráter terminativo e, caso seja aprovada na assembléia, segue para o executivo.
No dia 1º deste mês, a Comissão de Educação do Senado aprovou o projeto da senadora Ideli Salvatti [PT-SC]. Escrito em 2007, o projeto determinava que deveria tornar-se lei nacional a reserva de 50% das vagas de escolas federais para estudantes vindos de escola pública. Dentro desses 50%, deverá haver também reserva para negros e índios, observando a proporção de cada etnia no estado, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. Passou quase na íntegra. Teve o alcance estendido por mais duas emendas.
A primeira, do senador Marconi Perillo [PSDB-GO], aplica a medida para todas as universidades federais. A outra, do relator do projeto, Paulo Paim [PT-RS], estabeleceu que o cálculo de proporção válido para negros e índios também fosse feito para deficientes físicos. Até aí, nada muito novo.
Oito projetos de cotas já foram pensados e tramitam há anos na Câmara. O da senadora Ideli vai entrar como última, mas pode furar a fila. Ideli pretende acoplá-lo a outro texto, do deputado Carlos Abicalil [PT-MT], que está indo para votação. O senador Marconi acredita que até o próximo semestre a lei entrará em vigor. “A proposta partiu de uma senadora do PT e o partido governista manda na Câmara. Se quiser, o governo aprova em um mês“. Protestos – Com a possibilidade de uma lei que se aplique a todas as instituições federais, as discussões sobre as cotas não estão mais centralizadas na hipotética interferência na qualidade do ensino ou no detrimento da meritocracia.
As questões não sumiram, mas agora estão diluídas na autonomia universitária. No mês passado, um documento de oposição ao projeto assinado por coordenadores de vestibular de 28 instituições públicas do Brasil foi enviado para os deputados federais. O movimento é encabeçado pelo professor Leandro Tessler, coordenador do processo seletivo da Universidade de Campinas [Unicamp]. ”Com a solução dada por lei, morre o debate de ações afirmativas e as cotas não são o único modo de inclusão social. Devemos ter autonomia de escolher nossos estudantes.
Entendo a reivindicação dos movimentos, mas os objetivos das universidades nem sempre são os mesmos dos movimentos“. A queixa já ecoa na Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior [Andifes]. Amaro Lins, reitor da Universidade Federal de Pernambuco [UFPE] e presidente da associação acredita que a medida viola o direito de autogestão das universidades. “Com as cotas, estaremos restringindo o acesso a pessoas que teriam todas as condições e direito de estar na universidade, principalmente quando se fala de cota racial. O pobre, branco ou preto, tem a mesma dificuldade de entrar no ensino superior“, avalia.
Favoráveis – Para o reitor da Federal da Bahia, Naomar Almeida, há uma confusão na idéia de autonomia universitária, já que, como mantenedor das federais, é direito do Estado brasileiro tomar decisões administrativas. Ele defende que a luta seja pela autonomia acadêmica e não administrativa. “Temos autonomia, não soberania. Acho que a melhor representação dos desejos de uma sociedade democrática ocorre no congresso nacional, legitimado pelo povo. Lá se representam interesses mais amplos que a universidade“, acredita Paulo Soledade, reitor da Federal do Recôncavo da Bahia [Ufrb].
Reitores discordam sobre como lei será aplicada Amaro Lins não separa autonomia administrativa da acadêmica. “Não existe metade de autonomia. Não podemos abrir brechas, ou sempre vai se arranjar um motivo para ferir a liberdade das universidades“. Na UFPE e na Unicamp, a ação afimativa é feita por bônus.
Os alunos de escola pública, negros ou índios, têm a pontuação no vestibular aumentada. Não há acréscimo para deficientes e em Pernambuco, o bônus não se estende às etnias. Com a lei, o modelo será abandonado e as cotas passarão a valer. A única opção que as universidades poderão ter é escolher se reservarão os 50% ou mais do que isso, já que o texto estabelece a metade como o “mínimo“ de reserva. Leandro Tessler conta que em três anos mais de três mil alunos ingressaram na universidade devido ao bônus.
No último vestibular, 32% dos estudantes aprovados no vestibular da Unicamp eram de escola pública. O número de negros, pardos e índios na universidade é de 15%. Segundo a universidade, essas etnias representam 27% da população de São Paulo. “Não tenho nada contra as cotas em si, mas os projetos de inclusão deram certo quando foram discutidos pelo conselho universitário das próprias instituições.
Não quando vieram de fora, de uma legislação“. Cefet – No Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia [Cefet-Ba] há cotas para negros, índios e estudantes de escola pública nos ensinos médio, técnico, proeja e superior. Desde 2006, 50% das vagas de Salvador são reservadas para escola pública. Deste percentual, 40% são para afrodescendentes e 10% para índios. Os número não são fixos. Na sede de Eunápolis, onde há mais índios do que negros, a porcentagem é invertida. Com a lei, isso não será mais possível. Aurina Santana, diretora da instituição, espera que a Câmara torne a lei flexível, para ser aplicada corretamente às realidades municipais.
No mais, é favorável ao projeto. “A lei não fere a autonomia universitária. A gente convive com leis que nos prejudicam muito mais. Basta analisar muitas que regem a burocracia do serviço publico, por exemplo“. O consenso entre todos, contrários ou não, é que já está na hora de ações afirmativas serem aplicadas em todas as universidades. ”Inclusão social é necessária, mas queremos discutir a forma“, diz Leandro.
Medida não funciona sozinha
Os estudantes de medicina e administração, Lucas Sena, 16 e Marcelo Pires, 27, vieram de escola pública. Lucas, do Colégio da Polícia Militar e Marcelo, da rede estadual de ensino. Ambos entraram na Ufba por cotas.
O benefício fez com que Lucas entrasse já no primeiro semestre e deu um empurrãozinho para Marcelo passar na primeira fase do vestibular. O aluno de administração é favorável às cotas, mas contra a reserva por etnia, por achar segregativa. Já para o estudante de medicina, qualquer reserva é uma forma de tapar o sol com a peneira, pois “não se melhora a educação pública”. A senadora Ideli Salvatti garante que o projeto de cotas não será a única medida de inclusão social. Segundo ela, o governo pretende aprovar outros projetos que melhorem o ensino básico. “A reserva de vagas, inclusive, está aí para valorizar e escola pública e fazer com que a classe média volte para lá, ajudando a monitorar e exigindo melhora da qualidade”.
No Cefet, a principal diferença dos cotistas para os outros alunos é a sócio-econômica. Pesquisas da instituição mostram que o aproveitamento acadêmico é igual. Aurina e o reitor da UFRB, Paulo Soledade, não acham que o debate deve parar nas cotas. “Deveria vir junto com a lei uma garantia de permanência. Uma política só é afirmativa se contemplar recursos para assistência estudantil”, diz Paulo.
Fonte: A Tarde On Line 15/07/2008
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