Encravado na sociedade de classes, de um modo geral, o racismo também se faz presente no futebol, essa parte do cenário esportivo que se transformou numa paixão mundial.
Criado na Inglaterra e trazido por Charles Miller para o Brasil em 1894, o futebol foi ganhando o seu encanto, mas seu passado e presente são cheios de momentos em que predominaram estratégias de alienação, nem sempre tão camufladas. “Esporte inglês, regras inglesas, nomes ingleses, nada mais natural que o primeiro match (jogo) de football fosse realizado entre ingleses e seus descendentes residentes em São Paulo. Assim aconteceu e os primeiros teams (times) se formaram em duas empresas inglesas: a Companhia de Gás do London Bank e a São Paulo Railway”, recorda José Ricardo Prieto em Futebol e Modernização no Interior Paulista: Franca 1910-1922, monografia apresentada na Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Mas no futebol brasileiro, as primeiras evidências de racismo no esporte estiveram presentes numa fase muito importante de sua história: a passagem do amadorismo para o profissionalismo. Paradoxalmente, essa transição no esporte foi marcada pelo ingresso de atletas pertencentes às classes populares, proletarizadas, constituídas especialmente por negros e mestiços nas equipes.
Estudiosos do esporte revelam que o então denominado futebol “mestiço” sofreu muitas críticas, ganhando ainda a culpa pela perda dos títulos mundiais nas Copas de 1950 e 1954.
Criado na Inglaterra e trazido por Charles Miller para o Brasil em 1894, o futebol foi ganhando o seu encanto, mas seu passado e presente são cheios de momentos em que predominaram estratégias de alienação, nem sempre tão camufladas. “Esporte inglês, regras inglesas, nomes ingleses, nada mais natural que o primeiro match (jogo) de football fosse realizado entre ingleses e seus descendentes residentes em São Paulo. Assim aconteceu e os primeiros teams (times) se formaram em duas empresas inglesas: a Companhia de Gás do London Bank e a São Paulo Railway”, recorda José Ricardo Prieto em Futebol e Modernização no Interior Paulista: Franca 1910-1922, monografia apresentada na Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Mas no futebol brasileiro, as primeiras evidências de racismo no esporte estiveram presentes numa fase muito importante de sua história: a passagem do amadorismo para o profissionalismo. Paradoxalmente, essa transição no esporte foi marcada pelo ingresso de atletas pertencentes às classes populares, proletarizadas, constituídas especialmente por negros e mestiços nas equipes.
Estudiosos do esporte revelam que o então denominado futebol “mestiço” sofreu muitas críticas, ganhando ainda a culpa pela perda dos títulos mundiais nas Copas de 1950 e 1954.
Atribuída aos negros e mestiços que atuavam pela equipe brasileira a culpa da derrota nas duas competições, o racismo ainda foi justificado por um suposto desequilíbrio emocional dos atletas que apresentavam cor escura, logo nos jogos decisivos. Entretanto, este atrapalhado estigma foi derrubado nas Copas seguintes, em 58 e 62, quando a seleção brasileira conquistou os títulos mundiais com jogadores negros e mulatos.
Censura & racismo sofisticado
O futebol brasileiro é assim, cheio de conflitos silenciosos que não são vistos por quem está de fora dos esquemas políticos e financeiros. A culpa imposta aos jogadores mestiços de 50 e 54 é apenas um entre muitos episódios de racismo no futebol. Um povo de origem multirracial convive tão intensamente com problemas de preconceito. Surpreendente ironia? Absolutamente, porque os cartolas sabem que o futebol é do agrado do povo, cria torcidas, “partidos”. Então, eles se aproveitam de noções mais amplas que circulam entre as massas, distorcem e fixam algumas delas, de preferência dogmas, fazendo-as passar por conceitos verdadeiros socialmente comprovados, mediante uma intensa propaganda.
Na imprensa brasileira, eventualmente, é discutido o problema da discriminação — mesmo assim, sem compromisso de causa, dando pouco enfoque aos casos relatados, o que gera acusações de conivência dos veículos de comunicação com a politicagem no esporte. Seguindo a mesma linha, pode ser comprovado que na Europa não se toca mais nessa questão; ela é estrategicamente omitida. Estudos realizados na comunidade européia concluíram que instituições e grupos da elite branca dominante (inclui-se a maior parte dos meios de comunicação) são aliados próximos na reprodução da desigualdade étnica. Com efeito, a imprensa faz uso de uma linguagem metafórica que reproduz discriminações com as quais tenta iludir a população, sofisticando enormemente o racismo.
O futebol, aqui no Brasil, é apresentado com uma questão nacional, de certa forma mais assimilada pelos atoleimados setores de classe média — que transitam entre o proletariado, o campesinato pobre e a camada inferior do campesinato pobre por um lado e, por outro, entre a burguesia inferior e proprietários de terra em decadência evidente. É fatal que ao sofrer a seleção de futebol uma derrota em competições importantes, esses setores são os mais passíveis de aceitar como réus (e a pena que os acompanha) os jogadores que denotam origem mais humilde, capazes de representar a responsabilidade pelo maior insucesso.
Bom jogador, mas...
O primeiro exemplo claro foi a Copa de 50, quando a seleção brasileira (ou como insistem os cartolas, o Brasil) era favorita ao título e ia disputar uma final como se estivesse apenas cumprindo uma obrigação para levantar a taça. Mas a equipe foi pega de surpresa e a derrota atribuída ao goleiro, o já falecido Moacir Barbosa, serviu para criar um estigma em relação aos goleiros negros que passaram a ser preteridos em relação aos goleiros brancos na seleção. Até mesmo o jornalista Mário Filho, na época, fez um comentário a respeito de Barbosa que reforçou a idéia: “... até que apareceu Barbosa, realmente um grande keeper (goleiro), grande tremedor, porém. Tremeu tanto num jogo contra os argentinos em 45 que teve de mudar o calção quando acabou o primeiro tempo.”
A condenação de Barbosa não parou por aí e em uma frase o próprio goleiro comentou o seu castigo: “No Brasil, a pena maior por um crime é de 30 anos.
Censura & racismo sofisticado
O futebol brasileiro é assim, cheio de conflitos silenciosos que não são vistos por quem está de fora dos esquemas políticos e financeiros. A culpa imposta aos jogadores mestiços de 50 e 54 é apenas um entre muitos episódios de racismo no futebol. Um povo de origem multirracial convive tão intensamente com problemas de preconceito. Surpreendente ironia? Absolutamente, porque os cartolas sabem que o futebol é do agrado do povo, cria torcidas, “partidos”. Então, eles se aproveitam de noções mais amplas que circulam entre as massas, distorcem e fixam algumas delas, de preferência dogmas, fazendo-as passar por conceitos verdadeiros socialmente comprovados, mediante uma intensa propaganda.
Na imprensa brasileira, eventualmente, é discutido o problema da discriminação — mesmo assim, sem compromisso de causa, dando pouco enfoque aos casos relatados, o que gera acusações de conivência dos veículos de comunicação com a politicagem no esporte. Seguindo a mesma linha, pode ser comprovado que na Europa não se toca mais nessa questão; ela é estrategicamente omitida. Estudos realizados na comunidade européia concluíram que instituições e grupos da elite branca dominante (inclui-se a maior parte dos meios de comunicação) são aliados próximos na reprodução da desigualdade étnica. Com efeito, a imprensa faz uso de uma linguagem metafórica que reproduz discriminações com as quais tenta iludir a população, sofisticando enormemente o racismo.
O futebol, aqui no Brasil, é apresentado com uma questão nacional, de certa forma mais assimilada pelos atoleimados setores de classe média — que transitam entre o proletariado, o campesinato pobre e a camada inferior do campesinato pobre por um lado e, por outro, entre a burguesia inferior e proprietários de terra em decadência evidente. É fatal que ao sofrer a seleção de futebol uma derrota em competições importantes, esses setores são os mais passíveis de aceitar como réus (e a pena que os acompanha) os jogadores que denotam origem mais humilde, capazes de representar a responsabilidade pelo maior insucesso.
Bom jogador, mas...
O primeiro exemplo claro foi a Copa de 50, quando a seleção brasileira (ou como insistem os cartolas, o Brasil) era favorita ao título e ia disputar uma final como se estivesse apenas cumprindo uma obrigação para levantar a taça. Mas a equipe foi pega de surpresa e a derrota atribuída ao goleiro, o já falecido Moacir Barbosa, serviu para criar um estigma em relação aos goleiros negros que passaram a ser preteridos em relação aos goleiros brancos na seleção. Até mesmo o jornalista Mário Filho, na época, fez um comentário a respeito de Barbosa que reforçou a idéia: “... até que apareceu Barbosa, realmente um grande keeper (goleiro), grande tremedor, porém. Tremeu tanto num jogo contra os argentinos em 45 que teve de mudar o calção quando acabou o primeiro tempo.”
A condenação de Barbosa não parou por aí e em uma frase o próprio goleiro comentou o seu castigo: “No Brasil, a pena maior por um crime é de 30 anos.
Há 43, pago por um crime que não cometi.” Sem surpresas, após sua morte o antigo goleiro continua crucificado. O episódio mais recente da discriminação racial contra Barbosa aconteceu em 1993, nas eliminatórias da Copa do 94, quando o ex-goleiro quis visitar os jogadores da seleção brasileira na concentração e dar um ânimo aos atletas, mas foi impedido de entrar no hotel.
Curiosamente, a seleção de 1982, tida pela maioria da população brasileira e jornalistas esportivos como uma das melhores equipes já formadas, era constituída em grande parte por jogadores brancos, universitários e oriundos da classe média. Atletas negros ou mestiços estavam reduzidos a quatro: Luisinho, Toninho Cerezo, Júnior e Serginho. Por coincidência ou não, esta seleção é elogiada até hoje, apesar de seu insucesso. As críticas, que surgiram aos borbotões, em nenhum momento visaram a pessoa dos jogadores.
Problemas mais evidentes de racismo na seleção brasileira, só voltaram a acontecer na Copa de 98, realizada na França. Na ocasião, foi a vez do atacante Ronaldo carregar a cruz. Tido como a esperança de gols da equipe, foram colocados sobre a sua cabeça os “esclarecimentos cabíveis”: ele foi acometido por um mal estar súbito acompanhado por convulsão, momentos antes do jogo final contra a seleção francesa. A preocupação com o atacante que entrou em campo e a lembrança da cena de Ronaldo se debatendo durante a convulsão, teria abalado muito a equipe brasileira. O mal súbito foi o elemento usado pelo monopólio mundial dos meios de comunicação para tentar convencer a população a crucificar Ronaldo (era Ronaldinho) como “amarelão”. Pode-se ver nos jornais do dia seguinte ao jogo manchetes que atingiam diretamente o atacante: “Ronaldinho amarela antes do jogo e abala seleção” (O Dia, 13/07/98).
Do popular só quero a bolsa
Na história do futebol há incontáveis momentos em que é feita a apologia do mais puro racismo. Vale citar a atitude de um clube que lutou para acabar com a segregação dos jogadores de origem popular: o Vasco da Gama. Na década de 20, o Vasco e alguns clubes do subúrbio carioca passaram a admitir negros e mestiços em seus quadros, sendo que o Vasco, diferente dos outros clubes pequenos, estava preparando uma equipe para desestabilizar a hegemonia — nos anos 20, o futebol era considerado um esporte das elites, representando as classes dominantes.
O clube da colônia portuguesa resolveu contratar o técnico uruguaio de renome chamado Ramon Platero e passou a adotar um programa de treinamentos revolucionário para a época. Eram dados assim os primeiros passos para o profissionalismo do esporte. A presença de jogadores negros e mestiços nos clubes pequenos era tolerada pela aristocracia, desde que não incomodasse o poder dos grandes clubes. Para as classes dominantes, era até bom jogar contra uma equipe formada por negros, mestiços e brancos pobres, uma vez que, ao derrotar esse time, estava sendo ratificada a preponderância de classe e de cor. No entanto, com o investimento feito pelo Vasco e a conquista do seu primeiro título do campeonato carioca de 1923, os clubes aristocráticos perceberam a força da equipe e passaram a criar barreiras para a sua permanência na Liga dos Clubes Amadores e, assim, exclui-lo do campeonato de 1924.
Alegando que os jogadores vascaínos eram profissionais e não amadores como todos os outros, tudo fizeram para retirar o Vasco da competição próxima. Na época, já o futebol gerava um grande lucro para os clubes e quantias significativas eram arrecadadas nos jogos realizados. A única remuneração dos atletas era feita na forma de gratificações, que passaram a ser incorporadas ao dia a dia do futebol com o nome de “bicho”, coisa que se faz presente até hoje. Com tantas barreiras impostas à sua participação na competição realizada pelos clubes de elite (Flamengo, Fluminense, Botafogo, América e Bangu) a solução encontrada pelo Vasco foi se unir aos outros clubes excluídos e realizar um campeonato paralelo. Em 1924, houve um verdadeiro reboliço no futebol carioca, com a disputa de dois campeonatos simultaneamente.
As décadas de 20, 30, 40 e 50 foram muito turbulentas no futebol brasileiro, que guarda suas consequências até hoje. No Brasil de Pelé e Ronaldo, no “país pentacampeão”, com uma equipe em grande parte formada por “mestiços”, o jogador negro ou mulato continua a enfrentar o racismo — em geral, recebendo contratos e pagamentos inferiores aos dos brancos e não tendo no esporte uma garantia de ascensão social. É o que comprovou a tese de doutorado realizada pelo sociólogo José Jairo Vieira.
Uma pesquisa feita pelo sociólogo com 327 jogadores de 17 clubes do Rio de Janeiro, mostra que, enquanto 26,6% dos atletas brancos ganham um salário mínimo, entre os negros essa proporção é de 48,1%, quase o dobro. No alto da pirâmide salarial estão os brancos, com 24,8% de atletas ganhando mais que 20 salários mínimos, já entre os negros 17,1% recebem mais de 20 salários. O estudo de Vieira mostra ainda que o jogador negro não tem ascensão social imediata; 53,9% declararam ter melhorado sua condição socioeconômica. A mobilidade social é maior entre os brancos, onde 57,8% disseram ter “subido de vida”.
A discriminação com os atletas negros
Segundo o estudo de Vieira, os salários dos negros costumam atrasar mais que o dos brancos, além de receberem menos convites para aparecerem ao lado dos dirigentes dos clubes, chegando até a ser tratados com desprezo pelos cartolas. Outra discriminação está no tratamento: macaco, crioulo, gorila. “Muitos nem consideram os apelidos discriminatórios. Ou seja, o racismo às vezes é tão velado que não é identificado nem pelas próprias vítimas”, explicou o sociólogo José Vieira, que também é professor de sociologia do esporte na Universidade Federal de Viçosa - MG.
O estudo de Vieira, da mesma forma, confirma a rara presença de goleiros e técnicos negros na seleção brasileira, até hoje, correspondendo em proporcionalidade à ascensão de negros e mulatos na condição de classe no Brasil, como de resto acontece com toda a humanidade trabalhadora. Se o preconceito em relação aos goleiros aumentou, e permanece vivo, muito depois do episódio vivido por Barbosa, quanto aos técnicos cuja cor da pele denuncia, no mínimo, ancestrais trabalhadores, apenas dois foram admitidos no comando da seleção: Gentil Cardoso, em 1957, e Wanderley Luxemburgo — se é que este se considera negro ou “pardo”.
Curiosamente, a seleção de 1982, tida pela maioria da população brasileira e jornalistas esportivos como uma das melhores equipes já formadas, era constituída em grande parte por jogadores brancos, universitários e oriundos da classe média. Atletas negros ou mestiços estavam reduzidos a quatro: Luisinho, Toninho Cerezo, Júnior e Serginho. Por coincidência ou não, esta seleção é elogiada até hoje, apesar de seu insucesso. As críticas, que surgiram aos borbotões, em nenhum momento visaram a pessoa dos jogadores.
Problemas mais evidentes de racismo na seleção brasileira, só voltaram a acontecer na Copa de 98, realizada na França. Na ocasião, foi a vez do atacante Ronaldo carregar a cruz. Tido como a esperança de gols da equipe, foram colocados sobre a sua cabeça os “esclarecimentos cabíveis”: ele foi acometido por um mal estar súbito acompanhado por convulsão, momentos antes do jogo final contra a seleção francesa. A preocupação com o atacante que entrou em campo e a lembrança da cena de Ronaldo se debatendo durante a convulsão, teria abalado muito a equipe brasileira. O mal súbito foi o elemento usado pelo monopólio mundial dos meios de comunicação para tentar convencer a população a crucificar Ronaldo (era Ronaldinho) como “amarelão”. Pode-se ver nos jornais do dia seguinte ao jogo manchetes que atingiam diretamente o atacante: “Ronaldinho amarela antes do jogo e abala seleção” (O Dia, 13/07/98).
Do popular só quero a bolsa
Na história do futebol há incontáveis momentos em que é feita a apologia do mais puro racismo. Vale citar a atitude de um clube que lutou para acabar com a segregação dos jogadores de origem popular: o Vasco da Gama. Na década de 20, o Vasco e alguns clubes do subúrbio carioca passaram a admitir negros e mestiços em seus quadros, sendo que o Vasco, diferente dos outros clubes pequenos, estava preparando uma equipe para desestabilizar a hegemonia — nos anos 20, o futebol era considerado um esporte das elites, representando as classes dominantes.
O clube da colônia portuguesa resolveu contratar o técnico uruguaio de renome chamado Ramon Platero e passou a adotar um programa de treinamentos revolucionário para a época. Eram dados assim os primeiros passos para o profissionalismo do esporte. A presença de jogadores negros e mestiços nos clubes pequenos era tolerada pela aristocracia, desde que não incomodasse o poder dos grandes clubes. Para as classes dominantes, era até bom jogar contra uma equipe formada por negros, mestiços e brancos pobres, uma vez que, ao derrotar esse time, estava sendo ratificada a preponderância de classe e de cor. No entanto, com o investimento feito pelo Vasco e a conquista do seu primeiro título do campeonato carioca de 1923, os clubes aristocráticos perceberam a força da equipe e passaram a criar barreiras para a sua permanência na Liga dos Clubes Amadores e, assim, exclui-lo do campeonato de 1924.
Alegando que os jogadores vascaínos eram profissionais e não amadores como todos os outros, tudo fizeram para retirar o Vasco da competição próxima. Na época, já o futebol gerava um grande lucro para os clubes e quantias significativas eram arrecadadas nos jogos realizados. A única remuneração dos atletas era feita na forma de gratificações, que passaram a ser incorporadas ao dia a dia do futebol com o nome de “bicho”, coisa que se faz presente até hoje. Com tantas barreiras impostas à sua participação na competição realizada pelos clubes de elite (Flamengo, Fluminense, Botafogo, América e Bangu) a solução encontrada pelo Vasco foi se unir aos outros clubes excluídos e realizar um campeonato paralelo. Em 1924, houve um verdadeiro reboliço no futebol carioca, com a disputa de dois campeonatos simultaneamente.
As décadas de 20, 30, 40 e 50 foram muito turbulentas no futebol brasileiro, que guarda suas consequências até hoje. No Brasil de Pelé e Ronaldo, no “país pentacampeão”, com uma equipe em grande parte formada por “mestiços”, o jogador negro ou mulato continua a enfrentar o racismo — em geral, recebendo contratos e pagamentos inferiores aos dos brancos e não tendo no esporte uma garantia de ascensão social. É o que comprovou a tese de doutorado realizada pelo sociólogo José Jairo Vieira.
Uma pesquisa feita pelo sociólogo com 327 jogadores de 17 clubes do Rio de Janeiro, mostra que, enquanto 26,6% dos atletas brancos ganham um salário mínimo, entre os negros essa proporção é de 48,1%, quase o dobro. No alto da pirâmide salarial estão os brancos, com 24,8% de atletas ganhando mais que 20 salários mínimos, já entre os negros 17,1% recebem mais de 20 salários. O estudo de Vieira mostra ainda que o jogador negro não tem ascensão social imediata; 53,9% declararam ter melhorado sua condição socioeconômica. A mobilidade social é maior entre os brancos, onde 57,8% disseram ter “subido de vida”.
A discriminação com os atletas negros
Segundo o estudo de Vieira, os salários dos negros costumam atrasar mais que o dos brancos, além de receberem menos convites para aparecerem ao lado dos dirigentes dos clubes, chegando até a ser tratados com desprezo pelos cartolas. Outra discriminação está no tratamento: macaco, crioulo, gorila. “Muitos nem consideram os apelidos discriminatórios. Ou seja, o racismo às vezes é tão velado que não é identificado nem pelas próprias vítimas”, explicou o sociólogo José Vieira, que também é professor de sociologia do esporte na Universidade Federal de Viçosa - MG.
O estudo de Vieira, da mesma forma, confirma a rara presença de goleiros e técnicos negros na seleção brasileira, até hoje, correspondendo em proporcionalidade à ascensão de negros e mulatos na condição de classe no Brasil, como de resto acontece com toda a humanidade trabalhadora. Se o preconceito em relação aos goleiros aumentou, e permanece vivo, muito depois do episódio vivido por Barbosa, quanto aos técnicos cuja cor da pele denuncia, no mínimo, ancestrais trabalhadores, apenas dois foram admitidos no comando da seleção: Gentil Cardoso, em 1957, e Wanderley Luxemburgo — se é que este se considera negro ou “pardo”.
Artigo publicado em 12 de Agosto de 2003 pelo site www.anovademocracia.com.br , que em ano de Olimpiadas deve ser lido e refletido, com certeza ainda é um assunto atual.
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