Um dos principais jornais da região, o Jornal do Povo(Cachoeira do Sul), após o mês de Consciência Negra, vem publicando artigos sobre negritude de pessoas que são alheias ao assunto, que desconhecem a história, nem os estudos, nem as políticas e as ações desenvolvidas por psicólogos, pedagogos, antropólogos, advogados, entre outros, que tem dedicado anos desenvolvendo estudos da diáspora africana e medrar formas de ressarcir os africanos e seus descendentes neste novo milênio.
Venho sugerir a esta redação desenvolver matérias sobre estes assuntos com o intuito de informar a comunidade com dados realísticos, mensuráveis e específicos ao conhecimento amplo e bem fundamentado sobre o tema negritude, já que somos mais da metade da nossa população e eu não me vejo de forma proporcional a este percentual nos nossos meios de informação. E após munir a população com dados e esclarecimentos acerca deste assunto, vamos realizar um grande debate onde todos possam ser ouvidos, e aí sim, de forma imparcial, este jornal possa publicar os artigos e seus leitores terão noção sobre as matérias na qual está sendo abordado sobre o tema negrejar.
Cada pessoa é uma formadora de opinião e deve ser respeitada por seu posicionamento perante o determinado fato. A liberdade de expressão é uma prática que a bem pouco tempo nos era vedada de praticar. Entretanto quero invocar a imparcialidade deste meio de comunicação e conclamar a comunidade cachoeirense a participar desta troca de idéias em que se mencionam razões com vistas a uma conclusão. Devido a fatores históricos de preconceitos em nossa cidade: em clubes sociais abertos a comunidade onde cidadãos negros eram impedidos de participar (inclusive com divulgação negativa no território nacional); estabelecimentos comerciais local em que compradores afrodescendentes são escoltados, muitas vezes intimidados, durante suas compras ou de desrespeito aquele que compra aos profissionais destes locais mercantis (muitos casos abafados e que não gera interesse a imprensa devido a política de calmaria e cordialidade entre seus leitores), entre outros. Cachoeira do Sul é uma cidade com grandes representantes, palestrantes, pensadores negros, tanto no cenário municipal como no estadual, que deveriam ser procurados por esta redação e seus profissionais a esclarecer fatos históricos e atuais do tema negro e todas as suas vertentes, e tenho convicção que todos aprenderão e a comunidade ganhará em conhecimentos deste assunto.
É um fato que a história é sempre escrita pelo detentor do poder e da informação. A nenhum oprimido é dada a possibilidade de divulgar o seu relato histórico. A história é passada através das gerações pelos seus próximos (grupo de convivência, familiares, amigos, confrarias, entre outros), e quando ganha força, passa a ser pesquisada por historiadores e interessados para que a verdade passe a ser contada como acontecimento exposição cronológica dos fatos. Já o detentor do poder, muitas vezes, manipula os dados e fatores históricos, ao passar dos anos através de estudos de cartas e materiais realísticos e objetivados do passado encontrados em esconderijos manipulados pelo poder atuante, chega-se ao acontecimento real ou o mais próximo possível da realidade.
E a epopéia africana não foi diferente. Após um resgate histórico de mais de 500 anos, o governo federal, verificou (depois de grande pressão dos movimentos negros) que tinha uma grande dívida com a população negra e seus descendentes, e em 2003 resolveu criar a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). As políticas de reparação e reconhecimento formaram programas de ações afirmativas, isto é, conjunto de ações políticas dirigidas à correção de desigualdades raciais e sociais, orientadas para oferta de tratamento diferenciado com vistas a corrigir desvantagens e marginalização criadas e mantidas por estrutura social excludente e discriminatória. A demanda por reparações visa a que o Estado e a sociedade tomem medidas para ressarcir os descendentes de africanos negros, dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, bem como em virtude das políticas explicitas ou tácitas de branqueadura da população, de manutenção de privilégios exclusivos para grupos com poder de governar e de influir na formulação de políticas no pós abolição.
Podemos realmente discutir políticas públicas de forma global. Os jornais da capital, região e os citadinos estão numa peleja tendenciosa contra as cotas para os afrodescendentes, então vamos discutir os programas discriminatórios e exclusivistas como a Cota do Boi, não se verifica nenhum comentário a este interesse nos sistemas que detêm e repassam a informação, os reais formadores de opinião. E podemos aprofundar mais esta discussão, ao levantar para polêmica a forma elitista como são realizados os vestibulares. O aluno que estuda toda sua jornada educacional em escola pública, tendo muitas vezes que trabalhar proporcionalmente durante o seu aprendizado discente, enfrentar greves do corpo docente (justa e necessário pela forma precária como são tratados a base evolutiva de uma sociedade), desmotivação por parte de alguns educadores,entre outras problemáticas sociais, políticas, culturais e psicológicas. E após a conclusão do ensino médio, que percentual de aprovação em Universidades Públicas terá este aluno provindo de escola pública? Divagamos e tentamos criar uma linha de pensamento em que discute essa temática, o que pesa mais, o que realmente deva ser criticado: o sistema de cotas para os afrodescendentes ou o ingresso de estudantes da rede particular em estabelecimentos superior de ensino público. O aluno de escola pública deveria estudar em universidade pública, já que todo seu aprendizado foi direcionado para esta rede de graduação educacional de nível superior, em contrapartida, aqueles procedentes de colégios particulares deveriam alavancar seus estudos em universidades particulares. A desproporcionalidade entre estas duas classes sociais é notória, as condições de preparo para o intróito a faculdade é descomunal, a concentração, entre outros fatores já mencionados. Quem tem condições de estudar em colégio particular deveria continuar em universidade particular, mediante incentivos na área de educação, para manter sua casta universitária particular.
Após esta explanação verifica-se que dentre as ações afirmativas, as cotas para os afrodescendentes, constituem uma pequena forma de reparação de todos os fatos históricos que nós negros fomos e somos vítimas a mais de cinco séculos em terras brasileiras. Possibilitar um percentual, em vários ramos da nossa sociedade, num processo de inclusão, para os africanos e seus descendentes é o mínimo exigido pelo massacre e opressão em que os negros são vitimados desde a forma brutal que foi trazida para este país e garantir a economia nacional das grandes culturas exploratórias das várias épocas no Brasil.
A proposição de diretrizes e ações prioritárias para elaboração do Plano Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, tem como desafios no campo das políticas públicas: Trabalho e desenvolvimento econômico da população negra, educação, saúde, diversidade cultural, direitos humanos e segurança pública, comunidades remanescentes de Quilombos (Brasil Quilombola), população indígena, juventude negra, mulher negra, religiões de matriz africana ( comunidades de terreiro), fortalecimento das organizações anti-racismo e política internacional.
Por fim, através da SEPPIR e suas ações de instrumentos políticos, dos movimentos e associações de consciência e valorização do povo negro e toda comunidade em geral é convidada, e temos o desafio de eliminar séculos de desigualdade racial, que no Brasil afetou vários grupos, em especial a população negra. E a resistência dos africanos e seus descendentes solidifica-se mais e mais nos espaços mais discriminatórios, estados e cidades com essas características, já que o objetivo de todos, negros ou não, é ter uma ilusão utópica de uma sociedade igualitariamente brasileira.
Sérgio Augusto Ramos dos Santos Junior
Diretor Cultural da Associação Cachoeirense da Cultura Afro-Brasileira (ACCA)
Coordenador Regional da União de Negros pela Igualdade (UNEGRO)
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