Em março do ano passado, num debate, o escritor e compositor Nei Lopes ouviu um colega de mesa citar apenas autores brancos ao falar do tema "O negro na literatura brasileira".
Foi a semente para que começasse a produzir o "Dicionário Literário Afro-Brasileiro", agora lançado. "Senti que era necessário tirar da invisibilidade o grande contingente de escritores negros existentes no nosso panorama literário", afirma Lopes.
"E mostrar, também, o modo como os negros foram habitualmente tratados, com estereótipos que moldaram, de forma distorcida, a percepção da sociedade brasileira sobre nós, afrodescendentes de todos os graus."
Para ele, esses estereótipos chegaram às telenovelas, nas personagens da empregada, do negro bandido etc.Os verbetes têm livros, autores e personagens. Os textos são muito mais descritivos do que militantes, mas a visão crítica de Lopes é perceptível.
Criações de escritores importantes são registradas como podendo ter contribuído, de alguma maneira, para a consolidação de um discurso racista.
"Há personagens que são verdadeiros arquétipos, como a Bertoleza de "O Cortiço" [de Aluísio de Azevedo]; a galeria de tipos do Jorge Amado; os do Josué Montello em "Tambores de São Luís'; e os do teatro de Arthur Azevedo", exemplifica.
Mais do que repisar o suposto alheamento de Machado de Assis nas questões raciais, Lopes vê um sentido militante em sua obra ao falar de escritores pouco conhecidos, especialmente os contemporâneos."Em São Paulo, por exemplo, há um movimento literário que publica antologias anuais há mais de 20 anos. Em Minas, existe uma editora de autores negros.
O dicionário é composto dentro de uma perspectiva de mostrar o que está escondido", afirma.Com vocação de polemista desenvolvida em artigos de jornais, ele faz questão de estar na linha de frente na defesa das cotas nas universidades e contra o que chama de "racismo organizado"."Você escreve um artigo e, no dia seguinte, já tem um "doutor da USP", como diz o [deputado federal do PSOL] Chico Alencar, te replicando.
Você escreve uma carta ao jornal e, aí, no pé da tua carta, já tem uma "nota da redação". O racismo se organizou para negar a existência do racismo no Brasil."Lançando seu 21º livro, Lopes assume que busca um "respeito" que não alcançou na música popular, apesar dos 35 anos de carreira e de sucessos como "Senhora Liberdade", "Tempo de Dondon" e "Gostoso Veneno". "Embora, aqui em casa, o sambista pague as contas do escritor, acho que não conquistei o respeito que mereço", diz. ( Fonte Folha Online )
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