A tentativa de muitos ministros de explorar as causas "politicamente corretas" fez do governo Lula uma fonte inesgotável de iniciativas não apenas exóticas, mas às vezes perigosas pelos desdobramentos que podem ter. É esse o caso da mais recente delas, que é a proposta do ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, de liberar recursos federais para incentivar os governos estaduais a criarem delegacias especializadas no combate a crimes raciais.
O objetivo do ministro, que foi esta semana à Comissão de Direitos Humanos da Câmara em busca de apoio político para sua idéia, é abrir uma "delegacia do negro" em cada Estado, no próximo ano.Para tanto, Santos pretende liberar R$ 100 mil aos governos estaduais que aderirem à proposta. Os demais gastos com investimento e custeio ficarão a cargo das Secretarias da Segurança Pública.
Embora ainda não disponha de recursos para transferir esse valor, a Secretaria da Igualdade Racial, que é vinculada à Presidência da República, também está prometendo ajudar no treinamento e formação dos policiais que trabalharão nessas delegacias.Ao justificar sua iniciativa, o ministro disse que a "delegacia do negro" funcionará nos moldes das delegacias da mulher. Além disso, ele espera que essas delegacias possam investigar crimes contra integrantes de outras minorias étnicas, como ciganos, judeus e participantes de "cultos afro-brasileiros". Para Santos, eles enfrentam dificuldades para denunciar ofensas racistas e pedir a abertura de boletins de ocorrência, nas delegacias convencionais, por causa do despreparo e da má vontade dos policiais civis. "A possibilidade de a denúncia dar em alguma coisa é pequena. A impunidade é a regra", diz ele.
Na realidade, a criação de "delegacias do negro" levaria a uma justaposição de órgãos públicos no setor de segurança, o que acarretaria desperdício de recursos sem qualquer ganho em matéria de eficiência administrativa. Além disso, a criação de "delegacias do negro" não está prevista na Proposta de Lei Orçamentária para 2009 que o Ministério do Planejamento encaminhou ao Congresso. Ou seja, nem o próprio governo a considerou prioritária. Mesmo assim, o ministro Edson Santos quer mobilizar a "bancada negra" para pressionar a Comissão Mista de Orçamento a destinar verbas para seu projeto. Ele quer inaugurar as primeiras delegacias nos Estados com maior contingente de negros em sua população, como Bahia, Maranhão e Rio de Janeiro, no primeiro semestre de 2009.
O racismo, que é um delito inafiançável e imprescritível, foi incluído na legislação penal em 1951, com a Lei Afonso Arinos. Três décadas depois, a Assembléia Constituinte classificou os crimes raciais como ofensa aos direitos coletivos e às garantias fundamentais, na Carta de 88, o que tornou a legislação brasileira nessa matéria numa das mais avançadas do mundo.
Mas, com a justificativa de que essa legislação não bastava para coibir a discriminação racial, a partir da década de 90 alguns movimentos sociais começaram a defender a adoção de "políticas de ação afirmativa". O problema é que, justificadas em nome da promoção da igualdade racial e do resgate de uma suposta dívida histórica, essas políticas acabaram institucionalizando mecanismos discriminatórios. É esse, por exemplo, o caso da imposição do sistema de cotas raciais nas universidades públicas e privadas, cuja constitucionalidade está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal. Desde então, o País, que no passado podia orgulhar-se de sua miscigenação, apesar das desigualdades sociais, vem enfrentando uma espécie de racismo às avessas. A lei das cotas divide os brasileiros em brancos e negros.
Todavia, como grande parte da população, se não sua maioria, é de mestiços, é difícil classificá-la racialmente sem recorrer a métodos autoritários e desprovidos de fundamentação científica.
É por essa e por outras razões que a proposta do ministro da Igualdade Racial não deve ser levada a sério. As "delegacias do negro" podem degenerar em focos geradores de um apartheid com sinal trocado.
Fonte: estadão.com.br
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